Comparação entre Eletroencefalograma de Indígenas Nascidos de Parto de Cócoras e de Outros Indígenas e Civilizados Nascidos de Parto em Decúbito Dorsal
INTRODUÇÃO
As melhores condições anátomo-fisiológicas do soalho pélvico das índias do sul do Brasil convenceram os autores de que é vantajosa para a mulher a adoção do parto na posição de cócoras, como é de uso entre as silvícolas
O emprego do método na clínica permitiu estudo comparativo com os partos em decúbito dorsal. Porém, se fácil e direta a observação das mulheres, o mesmo não aconteceu com relação às crianças.
Além das condições do nascituro, fornecidas pelo APGAR, que testes serviriam para aferir o desenvolvimento das crianças, provando ser o parto de cócoras menos lesivo para os recém-nascidos?
A experiência pessoal muito recente e o escasso número de casos foram insuficientes para um estudo que permitisse conclusões ponderáveis. Daí a decisão de coletar dados nas reservas indígenas, onde o habitual é o parto de cócoras.
A dificuldade de comunicação verbal afastou a ideia do recurso dos testes psicométricos corrente, bem como os de avaliação neurológica. Também não houve disposição de pessoal especializado, que acedesse em ir às reservas para tomada dos referidos testes.
Visando contornar tais dificuldades, houve a opção da eletroencefalografia, processo mecânico de fácil execução e leitura direta. Foram tomados como termo de comparação os dados expostos nos trabalhos científicos citados na literatura.
MATERIAL E MÉTODO
Duzentas observações constituíram a amostragem estudada.
O programa se desenvolveu em fins de semana, iniciando-se nas reservas mais próximas de Curitiba, e estendendo-se a seguir, para outras mais distantes.
Os traçados foram registrados por eletroencefalógrafo de uso clínico Nihon, Kohden mod.7lO9, instalado nas enfermarias das reservas que, no sul do país, contam com geradores hidráulicos.
O trabalho consistiu, primeiro, em expor os propósitos das observações ao chefe da reserva, elemento da FUNAI.
Em seguida os mesmos foram transmitidos aos caciques, que se encarregariam de convidar os silvícolas para os exames.
A cooperação e aprovação foram imediatas. Todos se prontificaram a colaborar. Em nenhuma reserva foram encontradas dificuldades. Os índios conhecem a epilepsia e dela têm verdadeiro pavor.
De início, as tomadas eletroencefalográficas foram morosas e espaçadas. Os índios, desconfiados, se achegavam aos poucos. Só depois de constatarem a inocuidade dos exames, crescia a sua afluência. Os presentes ofertados contribuíram para a conquista dos candidatos.
Foram visitadas quatro reservas do Paraná e uma de Santa Catarina. Posteriormente, as observações se estenderam para a reserva de Ibirama, em Santa Catarina, cuja analise está relatada mais adiante.
RESULTADOS
Nos quadros seguintes estão relacionados os dados encontrados nas primeiras cinco reservas: lvaí, Marrecas, Rio das Cobras, Mangueirinha e Chapecó.
O quadro I se refere às áreas visitadas, populaçes e número de traçados realizados. Eis os aspectos que parecem interessantes.
RESERVA |
DISTÂNCIA |
POPULAÇÃO |
TRAÇADOS |
Ivaí – PR |
480 |
530 |
36 |
Marrecas – PR |
360 |
380 |
45 |
Rio das Cobras – PR |
500 |
440 |
44 |
Mangueirinha – PR |
330 |
620 |
48 |
Chapecó – SC |
440 |
1.280 |
27 |
Ibirama – SC |
600 |
980 |
24 |
TOTAL |
2.710 |
4.230 |
224 |
Exames realizados:
214 Caigangues - 173 Paraná
10 Guaranis - 51 Santa Catarina
Total: 224
ANÁLISE DOS 200 PRIMEIROS CASOS CINCO PRIMEIRAS RESERVAS
Faixa etária: dos 6 aos 81 anos. Foi fixada em 6 anos a idade mínima. Abaixo desse grupo etário difícil conseguir colaboração. Somente sob narcose se poderia desenvolver traçado aceitável. Não houve razão para tão drástico recurso.
Faixa Etária - Quadro 2
FAIXA ETÁRIA |
SEXO MASCULINO |
SEXO FEMININO |
De 6 a 10 anos |
40 |
44 |
De 11 a 20 anos |
42 |
38 |
De 21 a 30 anos |
6 |
13 |
De 31 a 40 anos |
6 |
5 |
Mais de 40 anos |
6 |
- |
TOTAL |
100 |
100 |
Ordem de Nascimento - Quadro 3
ORDEM DE NASCIMENTO |
MASCULINO |
FEMININO |
Primeiro Filho |
31 |
32 |
Segundo Filho |
27 |
22 |
Terceiro Filho |
16 |
15 |
Quarto Filho |
12 |
15 |
Quinto Filho em diante |
14 |
16 |
TOTAL |
100 |
100 |
Sete traçados registraram disritmia, sob forma de paroxismos ponteagudos, de média e alta voltagem, de projeção difusa e bilateral, melhor evidenciados durante a hiperpnéia voluntária.
Exames Alterados - Quadro 4
EXAMES ALTERADOS |
MASCULINO |
FEMININO |
J.C.B |
8 anos – 2º filho |
M.I.S. 28 anos – 2º filha |
J.G. |
11 anos – 1º filho |
R.S.G. 36 anos – 2º filha |
M.W. |
6 anos – 2º filho |
M.C.D. 8 anos – 7º filha |
Disritmia e Tipo de Parto (incluindo Ibirama) - Quadro 5
TIPO DE PARTO |
TOTAL DE EXAMES |
DISRITMIA |
Em decúbito dorsal |
24 |
3 |
De cócoras |
200 |
4 |
TOTAL |
224 |
7 |
COMENTÁRIO
Estudo comparativo para permitir conclusões menos discutíveis e mais aceitáveis deveria limitar suas observações a indivíduos semelhantes, ou, pelo menos, da mesma etnia.
Em meio civilizado, pelo momento, isto não e viável. Em vez de esperar mais alguns anos para proceder eletroencefalogramas a salvo de problemas, foi resolvido proceder às observações nas reservas indígenas, onde o parto de cócoras é usual. Posteriormente, foi tentada a complementação das observações na reserva de Ibirama, onde houve informação da existência de índios nascidos de parto em decúbito dorsal.
O número, entretanto, foi inexpressivo, perfazendo um total de apenas 24 traçados, quantia insuficiente para um estudo comparativo. Desta forma, não restou mais que comparar dados conseguidos com os expostos nos textos clássicos.
Os autores consultados estimam entre 5 e 10% de disritmia entre as populações dos mais diferentes povos.
Por sua vez, a epilepsia bem estabelecida e caracterizada incide na proporção de 1:200 (O,50 %) da população dos Estados Unidos, enquanto que, na população da Inglaterra, O,40% da população tem história da doença, o que equivale a 1:250 enquanto entre os índios a proporção encontrada neste estudo é de 1:650. Numa comunidade fechada, como o é a reserva indígena, é do conhecimento geral tudo que ali acontece, principalmente em se tratando da epilepsia. Aos ataques convulsivos, os índios emprestam as mais curiosas interpretações.
Em todas as reservas a pergunta "Quantos de seus habitantes sofrem do mal de ataque?" é respondida prontamente, sem hesitação. Sabem referir até, quantos doentes semelhantes existem em outras tribos, algumas distanciadas centenas de quilômetros. Adiantam não só os nomes, residência, como outras particularidades da vida dos doentes.
CONCLUSÕES
A análise do material coletado, resumida no quadro 5, permite armar os seguintes raciocínios:
1. Quatro traçados disrítmicos em 200 índios nascidos de parto de cócoras, correspondem a 2%, número significativamente baixo, mormente se comparado com o dos civilizados fixado entre 5 e 10%.
2. Três traçados disrítmicos em 24 índios nascidos de parto em decúbito dorsal, (l2,5%), colocam-nos numa faixa mais carregada que a dos civilizados disrítmicos nascidos na mesma posição (entre 5 e 10%).
É necessário considerar que, nas reservas indígenas livres de influências estranhas, a parturiente só deita quando esgotada, em um parto excessivamente prolongado por distocia grave, em geral desproporção feto-pélvica ou má posição fetal. Compreende-se que as crianças deste tipo de parto são, via de regra, mais sofridas, mais sujeitas a lesões encefálicas. Este fato, talvez explique a alta incidência de disritmia neste grupo de índios.
3. A ocorrência de um epiléptico para cada 650 indivíduos nascidos de parto de cócoras, em contra posição a l:200 ou 1:250 dos civilizados, é um dado que merece consideração.
Restam algumas indagações. Entre elas: "Até que ponto esses índices se devem a uma questão racial e a condições de vida peculiares?".
4. De qualquer forma, os resultados deste estudo comparativo, embora não sejam conclusivos, podem, até certo ponto, servir como subsídio no julgamento das posições que a mulher deve adotar no período expulsivo de seus partos.
5. Resta, ainda, a impressão de que a baixa incidência de disritmia e epilepsia entre os índios não é uma questão de raça, mas, principalmente, devida ao método de parto índio (de cócoras), mais rápido, mais fácil e menos traumático.
Desta forma, ainda não considerando Ibirama, foi anotada a incidência de 1:670 de epilepsia entre os indígenas da área observada, o que corresponde a 1,85% numa população de 3.350 habitantes, contra 5 a 10% dos civilizados. Considerando que as lesões, do sistema nervoso central são frequentemente decorrentes de problemas do parto, é de se admitir que a baixa incidência de disritmia cerebral + epilepsia entre a população indígena seja provavelmente devida ao parto índio na posição acocorada.
Comentário especial merecem as observações procedidas entre os Xoklengs das reservas do ltajaí-açu, município de Ibirama, em Santa Catarina.
Comunicação pessoal informou que grande número de Xoklengs procurava o hospital municipal onde, obviamente, realizaria parto em decúbito dorsal.
Tal fato representaria material comparativo ideal para este trabalho; permitiria cotejo de indivíduos da mesma raça, índios com índios, acrescendo que os Xoklengs de Santa Catarina e os Caingangues do Paraná pertencem à mesma família indígena, os Botocudos, língua, tipo físico, costumes, em tudo iguais.
Ao ser programado Ibirama, foi pretensão obter traçados eletroencefalográficos apenas de índios nascidos de parto em decúbito dorsal. Na verdade, entre os primeiros vinte e quatro indígenas que compareceram para os exames, apenas seis nasceram de parto em decúbito dorsal.
Ibirama: Tipos de Parto e Ocorrências - Quadro 6
TIPO DE PARTO |
TOTAL |
DISRITMIA |
EPILEPSIA |
De cócoras |
18 |
- |
- |
Em decúbito dorsal |
6 |
- |
- |
Chamou a atenção o fato de que, em seis partos deitados, houve dois casos de epilepsia, o que seria um número muito significativo, não fosse à insignificância da amostra, que não permite mais que o seu registro. Não foi usada neste estudo estatístico.
RESUMO
Foram realizados eletroencefalogramas de 200 índios em algumas reservas do sul do Brasil, determinando-se a incidência de epilepsia. Constatou-se disritmia em quatro eletroencefalogramas (2%), porcentagem mais baixa que a estimada para as populações civilizadas (5 a 10%). Encontrou-se que a epilepsia se situava na proporção de 1:650, enquanto entre as populações civilizadas a proporção é de 1:2OO. Estas diferenças são atribuídas ao método indígena de parto em que a expulsão se dá na posição acocorada, contra o decúbito dorsal usado entre as civilizadas.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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