Homeopatia na Obstetrícia
"Quero agradecer à Comissão Científica do Congresso pelo convite duas vezes honroso: proferir uma palestra neste evento e discorrer sobre a homeopatia, tema que, a meu ver, em muito pode contribuir para a melhoria da prática da Obstetrícia."
Meu primeiro contato com as concepções que orientam a Homeopatia ocorreu em 1976. Estava atendendo a uma senhora que havia tido uma recidiva de câncer de mama, 10 anos após o primeiro tratamento. Essa paciente, deprimida, teve o recrudescer de seu processo neoplásico, após seu marido ter sido encontrado, de madrugada, assassinado na zona de meretrício em uma pequena cidade. Toda a terapia utilizada nada fez. Meu saber foi insuficiente.
Na angústia de tentar compreender a relação que essa história tinha com a doença e achar um caminho que mobilizasse essa mulher, li o Organon de Ia medicina, de Samuel Hahnemann. Apesar de achar o trabalho contraditório, percebi que Hahnemann tomava em consideração a agressão psíquica que afeta a energia vital. Nas palavras do autor:
"No estado de saúde do homem, a força vital autocrática que dinamicamente anima o organismo material, governa com poder ilimitado. (...) Deste modo, o espírito dotado de razão que existe em nós, pode empregar esses instrumentos vivos e sãos para as mais alitas finalidades de nossa existência."
"A força Vital que reside em nosso organismo é ininteligente e instintiva e rege a vida em harmonioso movimento somente quando está com saúde, porém é incapaz de curar-se a si mesmo em caso de enfermidade."
Para mim estava aberto um campo de conhecimento, que passei a investigar.
AS BASES DA HOMEOPATIA
Samuel Hahnemann, nascido em Meisen (Alemanha) em 1775, foi médico do rei Frederico da Saxônia. Falava onze línguas e era também químico por formação. Desencantado com a então medicina oficial, abandona a prática dessa arte e passa um período de sua vida como tradutor de obras – do grego, hebraico e latim para o alemão.
Buscando alternativas, em 1788, observa que, sem estar doente, ingerindo, produz em si sintomas similares aos produzidos pela malária. Revive, assim, a Lei de Similitude de Hipócrates: Similia similibus curantur – o semelhante cura o semelhante. Usa os remédios que se usavam na época: Belíadona, Arsenicum, Digitalis etc... E comprova a repetição da lei da semelhança. Empregando seus conhecimentos de química continua experimentando outros produtos, como Calcarea ostrearum (pó-da-ostra), Phosphorus, Calcareas phosphorica, Kali carbonicum, phosphoricum, metais, o magneto etc.
Com o intuito de diminuir a toxidez para experimentar as substâncias, usa o método de diluição com sucussão. Percebe que, menos tóxicas que as drogas puras então, as doses infinitesimais provocam sintomas mentais, alterações afetivas, sensações, sonhos e medos, antes não relatados. Cria assim a dinamização homeopática, com suas potências.
Com essa experimentação, passa a valorizar a imagem total do doente e não da doença. Dá valor aos sintomas mentais a par dos sintomas físicos, como manifestação da enfermidade do homem. Não há doenças, há doentes. O Homem é o sujeito da doença e não o objeto dela. Para Hahnemann a enfermidade, não vem de fora e sim vai se constituindo ao longo da existência, favorecida pelos antecedentes hereditários, o tipo de vida, sua alimentação, circunstâncias vitais e acontecimentos que alteram o terreno em que se manifestará a enfermidade. Ao individualizar, hierarquiza os sintomas, realçando que os raros e peculiares devem ser valorizados como expressão dessa individualidade.
Ao lado do Organon, que revisa sucessivamente, publica suas experimentações em Maténa Médica Pura e amplia o conceito de tratamento de doenças em Doenças crônicas. Usa o termo "miasma" para definir o estado crônico de enfermidade, como uma fogueira permanente, cujas agudizações seriam como as labaredas desse processo. Classifica o miasma como "psora" (do hebraico estigma), associando-o à supressão dos sintomas exonerativos da pele, a sicosis com a supressão da condilomatose e sífilis com o tratamento local do cancro duro. Reitera a ineficácia de tratamentos locais, porque, após o aparente sucesso, o doente se encontrará com órgãos mais nobres afetados, com alterações mais profundas da energia vital, acrescidas pelo tratamento, e, por muitas vezes, incurável.
Funda, assim, os alicerces da Homeopatia:
As experimentações do remédio no homem são:
· A dose infinitesimal
· A individualização doente como o diagnóstico.
· O uso do remédio semelhante "similimum" em dose infinitesimal
· O conceito de energia vital
Foram inúmeros os seus seguidores, que aceitaram parcial ou totalmente seus ensinamentos. Kent, Allen, Boenmghausen, Hering e outros deram continuidade às experimentações, publicando resultados clínicos, aportando novos remédios. Kent e Boeninghausen publicaram um dicionário de sintomas, indicando os remédios afins, com gradação de intensidade, com o intuito de ajudar no trabalho diagnóstico. São os Repertórios, que junto com as Matérias Médicas, o Organon, as Doenças Crônicas e os escritos desses precursores, constituem a bibliografia básica desta arte.
A prática homeopática foi se desenvolvendo de acordo com a compreensão e individualidade do médico, dando lugar a diversas escolas:
· Unicista
· Pluralista
· Alternista
· Organicista
· Isopatia, etc...
HOMEOPATIA E GRAVIDEZ
A gravidez é um momento de saúde para a mulher. Para a criança, a vida intrauterina é a maior escola que ela vai passar. A mulher torna-se mãe; a criança forma não só seu corpo como sua consciência, recebendo as influências da mãe e do pai e por meio destes de seu meio. A ansiedade – Será que meu filho é normal? -, a angústia, a falta de confiança, os ciúmes, as alterações da libido, a mortificação, o medo de morrer durante o parto, a antecipação, a ira, a irritabilidade, juntos e paralelos com o amor, significam sintomas, alterações da energia vital, que, valorizados e individualizados, são corrigidos pela terapêutica homeopática, o bem estar, o "eu me sinto bem".
Iniciamos nosso trabalho nessa área em 1981, quando demos a 50 pacientes em trabalho de parto dois remédios Caulophilum, uma planta muito utilizada por índios norte americanos no trabalho de parto, e uma flor Gelsemium sempervirens, na dinamização homeopática centesimal 6, em doses repetidas, com o intuito de aceleração do parto.
Não achamos diferença significativa com o grupo controle, mas dois casos, primigestas com 35 e 40 anos, que deram entrada no hospital com dois centímetros, tiveram seus partos normais em 4 horas. Apresentamos esse trabalho no Congresso Brasileiro de Acupuntura, em Recife, com o título "A analgesia e a aceleração do parto através da quimiopuntura e da homeopatia" (Paciornik, Cláudio e Assenheimer, Élida). Com esse trabalho, aprendi duas coisas: os casos em que funcionaram foram aqueles em que as pacientes tinham sensibilidade aos remédios, e que um trabalho dentro da homeopatia tem de ser individualizado para serem obtidos melhores resultados.
Gradativamente, venho usando o remédio homeopático, escolhido de acordo com a individualização do paciente em seu contexto – segundo os limites de meu conhecimento. Inúmeros sintomas menores acometem a gestante, muitos são fisiológicos e de adaptação do organismo ao binômio mãe-feto, como as náuseas, as caibras, a hipotensão, comuns e para os quais a homeopatia tem respostas, com a vantagem de não causar efeitos para o feto – como são os casos do ácido acetilsalicílico no primeiro trimestre da gravidez, da metoclopramida, por tantos anos usados e depois contraindicada, sem falar da talidomida.
Para a mulher que tem dificuldade para engravidar, após sua anamnese e diagnósticos clínicos que houver repertorizamos seus sintomas, valorizando os raros e peculiares, ou seja, individualizando-a, para encontrarmos o seu remédio: Similimum. Tarefa nem sempre fácil, mas que nos apura e amplia a escuta, deixando-nos mais próximos ao tentar compreender quem nos apura.
Esse mesmo remédio pode ser usado durante a gestação, desde que a totalidade dos sintomas continue confirmando a prescrição. Muitas vezes, nota-se que um remédio bem indicado antes da gravidez muda sob a influência do feto, mas após o parto volta a ser útil.
Nas eventualidades que acontecem com frequência no ciclo gravídico-puerperal, podemos lançar mão do repertório para achar o remédio ou remédios que abarque essa situação. Assim teremos, por exemplo:
· As náuseas, comuns no primeiro trimestre, com remédios como Ipecacuanã, Symphoricarpus, Nux vomica etc.;
· Sangramento e ameaça de abortamento para os quais, de acordo com a fase de gestação, usaremos Sabina, Secale cornutum, China etc.;
· Nas alterações da circulação venosa, as varizes e as hemorroidas, encontramos o Aesculus Hippocastanum (castanha-da-índia), a Hamanmelis, Aloé Vera e Ratanhia etc., que associamos aos cuidados higienodietéticos;
· A excessiva movimentação da criança no útero, como sobressalto, com o único remédio Lycopodium;
· As posições anômalas, Aconitum e Anemona pratensis, recursos que usamos várias vezes com sucesso nas apresentações pélvicas;
· Escutar e corrigir as alterações da energia vital quando se apresentam, fazem a profilaxia da doença hipertensiva da gestação.
Durante o trabalho de parto, sintomas aparecem e se exacerbam. A Chamomilla, em sua patogenesia (experimentação no homem são), apresenta:
· Excessiva sensibilidade às dores, que são intoleráveis, e que a colocam violenta, muito irritável, grita, responde mal.
· Não tolera que a toquem, que a olhem, que falem.
· Falsas dores de parto, ou dores de parto excessivas, espasmódicas, que a alteram muito, e que vão para cima; o feto sobe em vez de baixar.
· Contrações que param ou são fracas.
· Frigidez do colo uterino durante o parto.
· Contração do útero em relógio de areia.
· Lóquios copiosos.
· As dores se agravam pelo calor e pela ira, acompanham-se de sede e às vezes desmaios.
Quando encontramos uma paciente com esses sintomas e uma distocia de dilatação e prescrevemos Chamomilla vemos a agitação e a sensibilidade formarem-se em parto normal.
O trabalho homeopático exige atenção à paciente e conhecimento da experimentação dos remédios, para que, com essa atenção dirigida, tenhamos o diagnóstico, que no caso é o do remédio e não o da distocia. Assim, Gelsemium (jasmim amarelo):
· Sensação de ondas do útero para a garganta, que param a contração.
· A criança parece subir a cada dor.
· Contração angustiantes.
· Rigidez de colo uterino.
· Dor nas costas que sobe durante o parto.
Após o parto,
· Resto placentário, assim como no abortamento incompleto, podemos usar o tão bem conhecido dos obstetras, o esporão do centeio, Secale cornutum;
· Na agalactia ou hipogalactia, que a meu ver, é na maioria das vezes iatrogênica, pela separação por motivos fúteis do binômio mãe-filho, que é corrigida com Urtica urens, a conhecida urtiga usada sob a forma de chá pelos Kaigangue e Guarani há séculos;
· As mastites e as fissuras mamilares, com remédio como Hepar sulphur, a Silicia, a Phytolloca etc., dos vários reinos, de fácil manejo, evitando na maior parte das vezes a antibioticoterapia, causadora de resistência, alternado o controle biológico, com metástases para o ecossistema de situação mais difíceis, como vivemos hoje;
· Depressão pós-parto, sensações de vazio, voltamos referir a totalidade dos sistemas para a individualização do remédio, a busca do Similimum.
Poderia derivar falando dos sintomas que o bebê apresenta: rejeição ao leite materno, Silicias, as molestas cólicas, Sena, as febres etc. que tratadas vão ter desfechos mais saudáveis, que a supressão com antiespasmódicos, antitérmicos e antibióticos, que toda droga atua no organismo por um período mais ou menos longo, ação primária. Segue-se a ela uma reação do organismo que é contrária à ação primária da droga, ação secundária. Isto é a expressão da terceira lei de Newton: "a toda ação segue-se uma reação igual e em sentido contrário".
Quando atendemos a uma paciente com abortamentos de repetição, com sintomas que pioram à noite, e encontramos na anamnese um bisavô portador de sífilis – fato comum no século passado, quando se fazia o trocadilho civilização por "sifilização" – com alguns familiares alcoólatras. Tratamos essa mulher com um remédio Luesinum (serosidade de cancro sifilítico) e teremos a oportunidade de ver uma exacerbação dos sintomas, sejam mentais ou outros, seguidos de erupção de pele, com a correção desse estado mórbido.
Exemplos como esse reportam-nos às Doenças Crônicas em que Hahnemann desenvolve a teoria dos "miasmas" e passamos a entender o que, após uma vida de trabalho e reflexão, ele quis nos dizer como método terapêutico.
Espero que eu tenha conseguido mostrar as possibilidades que a Terapêutica Homeopática pode adicionar à Obstetrícia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARTHEL, Horst. Synthetic Repertory Psychic and General Symptoms of the Homoeopathic. Matéria Médica. 2. Ed. Sleep, dreams, sexuality / Will Klunker, Karl F. Haug Verlag Heidelberg v. 3. 1981.
HAHNEMAN, Samuel. Matéria Médica Pura. New Delhi: Jain Publishing Co. V. 1. 1983.
S. Organon de la Medicina. 6. Ed.
S. Doenças Crônicas. PRADO, Maria Isabel de Almeida. A estrutura lógica do Organon.
VIJNOVSKY, Bernardo. Tratamiento homepalico delas afecciones y enfermidades agudas. Buenos Aires: 1979.
VIJNOVSKY, Bernardo. Sintomas-clavede la matéria médica homeopática en el repertório de Kent. Buenos Aires: Editorial Albatros, 1978.