Versos Heroicos
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1
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram [1];
2
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte [2].
3
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antígua canta,
Que outro valor mais alto se alevanta [3].
89
Eis nos batéis o fogo se levanta
Na furiosa e dura artilharia,
A plúmbea péla mata, o brado espanta,
Ferido o ar retumba e assovia:
O coração dos Mouros se quebranta,
O temor grande o sangue lhe resfria.
Já foge o escondido de medroso,
E morre o descoberto aventuroso [4].
90
Não se contenta a gente Portuguesa,
Mas seguindo a vitória estrui e mata;
A povoação, sem muro e sem defesa,
Esbombardeia, acende e desbarata.
Da cavalgada ao Mouro já lhe pesa,
Que bem cuidou comprá-la mais barata;
Já blasfema da guerra, e maldizia,
O velho inerte, e a mãe que o filho cria [5].
[1] Propõe o Poeta o primeiro tema do Poema: a formação do Império Ultramarino, extraordinário feito dos navegantes portugueses, de suas formas militares e de seus heróis. TAPROBANA: Ilha de Ceilão. NOVO REINO: O Império Português do Oriente.
[2] Propõe o Poeta o segundo e terceiro temas do Poema: a contribuição dos reis e de imortais heróis portugueses no alargamento da Fé e do Império. MEMÓRIAS: vidas. VICIOSAS: de religião herética. ENGENHO E ARTE: talento e técnica da expressão literária.
[3] SÁBIO GREGO: Ulisses, imortalizado por Homero, na Odisséia. O Troiano: Enéias, imortalizado por Virgílio, na Eneida. ALEXANDRE: O Grande Magno. O PEITO ILUSTRE LUSITANO: o valor dos portugueses. O poeta refere-se ao domínio dos portugueses na guerra e nos mares. MUSA ANTIGA: a poesia heróica da Antigüidade Clássica.
[4] PLÚMBEA PÉLA: bala de chumbo.
[5] Entenda-se: os mouros, vencidos, vêem que a campanha (cavalgada) não fôra fácil vitória (barata), como pensavam, Velho e mãe: sujeitos de blasfema e maldizia.