Parteiras do Oiapoque - Amapá - Julho de 1998

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  • Posted on: 25 September 2018
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 - Como é o parto de vocês?

 - Era mais assim sentado, né?

 - Eles era mais o teu posição. Como ela está aqui, num é?

 - Era. 

 - Aí vinha a nenê, aí depois que o nenê começa a ter, eles mandava fazer força, era quase do mesmo.

Maria Inês dos Santos:

 - Aí eu senti que a dor me deu mesmo, aí eu me procurei uma posição, sabe? Que eu senti que a criança, eu ajudei a criança, a criança vem, vem, vem, vem. Aí eu senti que a criança vem nascendo, vem nascendo, aí eu me recuei, ó! Quando eu me recuei, não tinha ninguém pra me acudir, aí eu meti, eu peguei minha criança, tirei minha criança. Depois que minha criança nasceu, eu peguei minha criança e pus em cima da minha barriga. Ficou a placenta. Aí a criança chorou. Foi assim que eu teve.

 - Quantos filhos você teve?

 - Eu teve três abortos, são 10 vivo. São 13.

Depois que acabar de ter nenê, aí pega a criança, cortava o umbigo, amarrava. Pega o paninho da gente, enxugava, aí a gente se puxava, se deitava. Era... A cama da gente era aquela. Aquele negócio que grela no meio do campo, igual um junco. Que faz aquelas esteira, num é, trançadinho com cipó todinho. A gente espalha, aí bota uns paninho, a gente deita lá. E é de pano.

Josefa dos Santos:

 - Depois de 8 oito dia, a pessoa lá deitada. Só mesmo levantava de deitado só pra cumê mesmo, e fazê xixi, né? Durante os oito dia lá. Depois de oito dia, aí a pessoa levantava, mas bem devagarinho, né? Pra andar, tudo. E era os 40 dias dela lá. É por isso que eu acho que as índias são bem forte, né? Não sente problema nenhum, né? Elas são bem resguardada mesmo, durante os 40 dias.

Inês:

 - Depois que deu oito dia, aí o marido vai pra dentro do mato, atira aquelas casca de pau, que é travoso, num é? Eles alimpam bem, bota dentro duma panela, bem limpinho, lava eles, ferve aquele, ele é bem travoso mesmo. Aí eles preparam aquele banho. Bota numa bacia ou então, se não tiver, eles bota no cruatá. Cruatá, nós índio, é a dos inajá, uns caroço que dá, assim, muito gostoso, pra cumê, a fruta dela. A gente corta aquele cruatá, igual uma baciona, muito bonita. Aí, eles derrama aquela água felvida do banho. Aí a mulher, quando tá bem morno, e dá pra mulher sentar. Eles botam a mulher até por aqui assim na bacia. Fecha o útero da mulher. Fecha tudo. Bem fechadinho a mulher.

Inês explica o que falava em patuá:

 - Eu disse, porque ela é da outra aldeia, é do mesma tribo, é de kwaisimauatá. São galibi, são galibi ela com essa. A gente tem muitas parteiras, mas são duas que veio escutar a apresentação. E nós temos caripuna. Nós, esse daí tudinho. A turma que ficou lá nós temos caripuna. É Oiapoque. Eles também vieram pelo Oiapoque junto cum nóis.

De vestido florido:

 - É assim... assim... assim que...pegar nenê da gente é assim, ó.

Quando a nenê vem, aí gente vem pegar aqui e outra gente vem pegar aqui pelo chão.

 - Outra parteira?

 - Outra parteira.

 - É. Daí a gente pegou o nenê, nasceu.

 - Porque não tem maternidade lá?

 - Não tem maternidade lá, nossa não.

 - Na área indígena não tem.

 - Que remédios vocês usam?

 - É... Remédio do caju, é a manga...

 - Casca de manga?

 - Casca de manga, de caju, casca de muita goiaba.

Josefa:

 - E a pessoa faz o remédio caseiro que a pessoa nunca mais faz filho, também. Sem ser operada, sem tocar com coisa de branco, né? Faz, faz... Põe pra cozinhar remédio caseiro. Põe pra cozinhar pra tumá. Nunca a gente vai fazer filho. É, nós conhece na nossa aldeia. A gente conhece lá pra fazer esses remédio.

Maria Inês:

 - Olhe, eu também foi assim. Eu tinha 13, eu teve três aborto e 10 todo, normal. E daí, pronto, eu fui tumá uns remédio também do caseiro, sabe? Uns banho, chá, tudo o que eu fiz fui tumando. Pronto, eu parei logo de fazer filho. O meu caçula já tem até criança, o nenezinho dele.

Josefa:

 - Porque o parto do branco é totalmente diferente do nosso. Nós temos paciência de esperar a hora da criança, e o branco num tem.

Maria Inês:

 - Num tem. Ele vai cortando logo a mulher, na parte da mulher. Olha, sabe quantas brecha a mulher leva, e nós não.

Josefa:

 - Quando ele vê que a mulher já começa a fazer esparro, já começa a fazer isso, já começa a passar da hora, eles pegam a tesoura...

 - Eles cortam.

 - ...E corta logo pra sair a criança. Enquanto nós usa óleo, usa creme, que tem o creme vaginal, né? A gente pode usar com ele também, né? Pra lubrificar a mulher, pra dá espaço. E é o que a gente usa, a gente tem que esperar até a hora da criança nascer e nasce todas criança, graças a Deus sem cortar. Tem menina de 12 a 13 anos que a gente já faz parto e nasce normal. As que chega no médico, o médico tem que cortar. Não tem que nascer porque não pode, diz que, né?

Maria Inês:

 - É, demora um pouquinho já vai cortar. A criança vem pra nascer, eles cortam logo. Primeira criança da mulher, que ainda num tem, num é? Por exemplo, eu tô gestante, eu nunca teve filho, num é? Então eu vou ter lá no hospital, então depois que me dá a dor pra mim ter, que a criança vem pra nascer, o doutor corta logo a gente. E a gente fica sofrendo com aqueles... Aquelas feridas grandes, aqueles pontos que eles dão, então, é sofrido. E nós índio não precisam cortar.

Josefa:

 - O primeiro filho da minha filha, o médico insistiu que ela não podia ter aquela criança normal. Mas não pude, não pude. Quando começou a dá a dor, ele foi fazer a cirurgia da menina. Cortou. Tirou a criança. Aí, no segundo parto dela eu disse: "Minha filha, você não vai ser operada mais".

 - "Não, mamãe."

Meu genro disse assim: "Não, minha sogra, ela vai ter que ser operada porque o médico disse que não pode ter normal. Quantos filho ela tiver tem que ser cortado."

Eu disse: "Negativo. Eu sou parteira e eu vou fazer o parto da minha filha".

 - "Ah, não. Ela vai ter que viajar pra Caiena pra ser operada."

Eu disse: "Minha filha não vai. Pode deixar pela minha responsabilidade. Se minha filha morrer, vai correr pela minha responsabilidade, mas que minha filha, ser cortada, ela não vai. Não vai".

Aí quando chegou o mês de ganhar nenê, eu foi pra lá, né? Cheguei, aí, deu a dor. Passou uns três dias, deu a dor nela. Deu umas sete hora, quando foi meio-dia, certinho ao meio-dia, o nenê nasceu. O nenê nasceu, eu levei, que o médico já tinha marcado a cirurgia dela. Levei pro hospital. Cheguei no hospital, o médico veio: "Meu Deus”, ele disse assim, “quem foi que ganhou nenê?".

Eu disse: "A minha filha". Eu dei o nome dela, que era Eliane, né? Eu dei o nome pra ele. Ele disse assim: "Mas ela ganhou nenê, meu Deus do céu, será? Não. Quem fez o parto dela? "

Eu disse: "Foi eu, sou parteira. O senhor quer ver meu certificado? Eu sou parteira".

Ele disse: "Não, não precisa. Teve nenê normal?".

 - "Teve."

A criança pesou quatro quilos e setecentos. E ela teve normal. Ele disse: "Então eu pensava que nunca ela ia ter um filho normal".

Mas, rapaz... 

Maria Inês:

 - Há quantos anos você faz parto?

 - 18 anos. E eu tô com 58. E muitos que ainda fiz, que eu ainda peguei e inda tô pegando a criança deles de novo.

 - Já perderam muitos nenens na hora do parto?

 - Não, difícil, difícil.

 - Difícil. E nem mulhé morrer nas nossas mão de parto, não senhor.

 - Olha, a oração que a minha vó me ensinou, a minha tia me ensinou. Essa quando a placenta não pode sair depois que a criança nascer, aí a gente reza a Santa Margarida na barriga da mulhé, que é pra tirar logo a placenta. Quer aprender?

"Minha Santa Margarida, não tô prenha nem parida, botai esta carne podre da barriga desta mulher. Minha Santa Margarida, não tô prenha nem parida, botai esta carne podre da barriga desta mulher".

Josefa:

 - E que remédio que usam pra depois do parto?

 - Pega a casca do anani, tem o fidji, que é reconhecido, que ele dá encima de árvore, assim, né, bonito, aí ele desce a raiz dele até chegar no chão, né, ele desce aquela raiz dele. Então, aquela raiz que vai chegar no chão tem as três ponta, né? O cipó, ele tem as três ponta, aí tu pega, né: sul, norte, né, sul. Aí você pega, você conversa, olha, seguro pra num cair, pra num... você mata esse pau, você amarra ele tudinho, depois diz assim: "Olha, eu quero que esse remédio serva pra essa mulher que eu vou fazer o remédio". Aí faz a garrafada e dá pra ela tumá. Um copinho todo dia, todo dia.

Maria Inês:

 - Apanha, enrola ela bem, amarre ela, tira a casca dela como ela disse sul, norte, num é? Tira a casca do lado de lá, tira daqui e arrebenta aquele cipó que vem querer chegar no chão. Eu que tenho mais a prática nisso. Aí espoca ela lá de cima, aí tira aquela casca e amarre ela lá mesmo, bem amarradinho. Aí depois lava bem limpinho, butá numa caçarola pra fazer aquela garrafadinha pra dá pra mulher beber quando ela tá menstruada. Aí ela pára de fazer filho. E quando ela tá no parto, que ela também..., aí tira a casca da mesma... é... tira desses que eu tava falando, do breu, do cuuba, de outras coisas, sabe, que a gente cunhece, muitos, que a gente cunhecemo. Aí lava bem, também, cozinha numa panela pra butá a mulher sentada dentro duma bacia. Até por aqui assim. Antes dela sentar, ela toma três doses com a mão esquerda. Pronto. Também o homem não mexe ela até de 40 dia. Depois de 40 dia, que ela se sara, se fecha tudinho, pronto, ela se torna bem. Depois que o homem vai usar ela.

Josefa:

 - Sistema do branco de ganhar nenê é totalmente diferente da gente. Ele não usa remédio caseiro, ele não faz um asseio pra ele. Então, tudo isso, a pessoa... enquanto que uma índia não tem isso com ela, né? Não tem isso. Não tem isso com ela. E o marido vai andar, a mulhé é arrochada. Não vai deixar a mulhé dele pra ir andar com uma mulhé branca que é mais folgada. De jeito nenhum!

 - Como é que de novo isso?

(Risadas)

 - Teve uma vez que meu marido veio pra cá, né? Porque ele é enfermeiro de lá. Ele veio pra cá e teve uma mulhé que disse pra ele: "Ei, me diga, quantos filho tua mulhé tem? É índia?"

Ele disse: "Minha mulhé tem 11 filhos".

 - "Meu Deus, essa mulhé não presta. Tu não pode nem manter relação sexual com essa mulhé, tu não sente prazer."

 - "Minha filha, eu vou te dizer um negócio, que minha mulhé é mais valorizada do que tu, eu tenho certeza que tu é mais folgada do que minha mulhé."

Pronto. A mulhé não falou mais.

 - Vambora.